Os pés sempre sabem o caminho

 


Liberto os pés do calçado que os vestem.  Chinelos que acompanham, confortam, protegem da rudeza do solo de pedra e alcatrão e da terra árida.

A areia pede que a toque. Os pés sentem-se tentados em ir ao seu encontro. E a areia sempre se envolve quando os toca. É uma atração que puxa, que se conflui.

E os chinelos seguem-na. São muitos os quilómetros percorridos. Caminhos trilhados de água doce e salgada, de terra batida, de calçada, de pisos de dança. E tantas vezes eles ficam em descanso a observá-los. Os pés que os preenchiam gostavam imenso de ser livres e de andar por aí, descalços.

Eram pés que gostavam de sentir as variadas texturas e temperaturas. Foram pés nascidos para o movimento, para bailarem e conversarem com o corpo.

Os pés suportam. São as raízes que falam com a estrutura que segura. E quantas vezes se queixam pela falta de descanso, de trato. E pedem mimo. Banhos de água fria e de água quente. Massagens e danças.

Ela tinha uns pés falantes. Estavam sempre a expressar-se. Emocionavam-se com facilidade. Davam-se conta de cada piso que pisavam. De quanto era sagrado cada passo. E cada novo espaço que pisava. 

Pediam licença para entrar e agradeciam à saída. Eles eram sempre os primeiros a percorrer a jornada, e o resto do veículo acompanhava.

Quantas vezes não se repara no mais importante? 

Os chinelos gastos têm desenhado o formato dos seus pés... as solas já gastas dignificam o caminho feito e o conforto que ainda continuam a dar. São as marcas dos pés que habitam naquelas solas. E quase que são as suas segundas solas. E são também uns pés vaidosos.... e gostava do design e do enfeite que lhe dava aos pés.

E sabia que podia pô-los de parte e caminhar descalça levando-os consigo. Eram também sua companhia.

Sempre se recordava com carinho dos passos, dos tropeços, dos baldes de água fria, das pedras, das poças. E da força e energia em prosseguir, em sempre arranjar caminho para trilhar.

E quando os chinelos a faziam escorregar.... escutava o pedido de se descalçar. Era sinal que tinha de sentir o piso e deixar-se guiar pelo toque dos pés. Eles sempre sabem o caminho.

E os chinelos são os fiéis companheiros sempre presentes. Auxiliando, protegendo, abrindo e facilitando a leveza do caminho.

Abençoados pés! Por me fazeres olhar e reparar. Que todo o corpo cumpre a sua respetiva função e olhar para cada uma e reconhecer e sentir é fazer-me mais presente na parte e no todo.


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