Caio em mim



Lembro-me de tantos sonhos de criança... que nem às paredes confesso! A vontade de descobrir o mundo sempre esteve presente. Em tantos sentidos. Em todos.

Ela queria saber do que o mundo era feito e mergulhar nele, na profundidade do oceano e no infinito do céu.

Hoje cresceu. Não muito na forma externa, não chega a 1,60m, mas ela rabina, chega a muitos lados. Sempre teve dificuldade em perceber quais eram os limites. Principalmente os seus. Muitas vezes esquecia-se que tinha um corpo que lhe definia uma estrutura e uma barreira física.

Ela tinha sede por mais... não quisesse ser mais, mas com tanta vida que sentia dentro e fora, queria desfrutar de tudo já, aqui, agora... como se não houvesse amanhã. E na verdade na cabeça dela não havia amanhã. Se só há o agora, é já!

Esse era o lema. Como se adiasse pudesse esgotar, desaparecer e já não ter outra oportunidade. O momento era o momento. E isso... teve tantas vezes um preço alto, a pagar pelo corpo. 

Não no imediato... pois não reconhecia o limite. Ela tinha energia. Muita. E para quê dormir e descansar se quero ir, viver, avançar? Para quê comer? Para quê definir a estrutura no tempo? Eram perguntas que tantas vezes não se fazia e pegava o dia com a noite e a noite com o dia.

Esquecia-se que vivia dentro da matéria, um limite que a continha. E foi pagando no tempo com alertas na saúde, através de sintomas físicas que lhe "obrigava" literalmente a abrandar.

E a criança lá atrás continua muito viva... e a adulta concretiza-lhe os sonhos. Tem vindo a desmascarar  os obstáculos, as vergonhas, as barreiras que a criança sentia e a concretizar.

A criança queria tanto mostrar-se, subir a um palco dançar, exibir-se, seduzir. Ela pintava ao som de música clássica, dançava, fazia programas de rádio, cantava, misturava cores, escrevia histórias, ensinava, viajava tanto na imaginação, criava estilos de roupa e cores, construía jogos... e falava tanto sozinha. Adorava a sua própria companhia. 

E hoje a adulta segue-lhe os passos. Ainda se encanta com a sua própria voz, e melhor... impressiona-se com o que lhe sai das entranhas. Contagia-se com a sua própria beleza.

Narcisista chamariam-lhe alguns. E foi esse o medo, que durante muito tempo a foi contendo e fazendo-a definhar. O julgamento. O seu claro. De que os outros a pudessem julgar. E se destruíssem o encantamento que ela tinha sobre si... e se tudo isso fosse uma ilusão? Podia ser destruída.

E se assim fosse... como poderia continuar a viver com esse ser destruído. Se descobrisse que não passava de uma farsa e de uma ilusão? E se se desapaixonasse de si mesma? Como seria viver sem ela?

Se a destruíssem como seria encarar a verdade horrível de ser um monstro?

Encantava-lhe a sua pureza e espontaneidade  e também se achava perversa. E escondia esse seu lado a sete chaves numa sala escura. Queria ser boa pessoa. E na verdade, quanto mais escondia, mais sobressaía esse seu lado. Curioso?!

Passaram-se tantos anos... E já fora destruída tantas vezes. Tantas ilusões e expetativas foram caindo... e as fichas, continuam a cair.

E se antes podia achar que eram os outros os despoletadores da sua destruição, ela hoje já se destrói também por iniciativa própria. Continua em escavações e destruição permanente.

E sabe-lhe tão bem.... ir deitando os muros abaixo e as paredes... e ir percebendo que a Grande Casa não tem paredes. E que quanto mais cai, mais se acolhe. Porque vai caindo em si mesma. No seu regaço. Incluindo, acolhendo.

A matéria diz-lhe que cresceu e que tem um corpo de adulta... que aprendeu algo no decurso do tempo... mas na verdade o ser é o mesmo. Não tem idade. 

Compartimenta-se criança e adulta.... mas na verdade ela é a mesma. A grande diferença é que quem paga as contas agora é esta criança que cresceu e que paga a fatura por todas as suas escolhas.

E na verdade eu sou tudo. Esta Grande Alma não conhece tempo, espaço nem personalidade. E inclui a origem pessoal da ancestralidade e de todos os que fazem parte desta família de onde provim. E é também a Grande Alma que inclui a humanidade.


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