20º Dia A Gosto_ árvore da vida


 "O vento não quebra uma árvore que se dobra" (provérbio africano). Conheci-o no solstício de 2009. E percebi que precisava de começar a dobrar-me, a ganhar flexibilidade. E a permitir que o vento me soprasse.

E hoje ouço os sussurros do vento que me vêm soprar ao ouvido cânticos tão diversos. À entrada de casa tenho uma árvore pintada numa tela, de uma artista alentejana que conheci à pouco, Dina Palma Dias. É uma árvore de boas vindas, que se abre, se expande e se mostra. Convida-nos a abrir os braços e os abraços para a Vida. A foto que ilustra o texto é apenas o esboço de linhas difusas e desajeitadas, as minhas, de uma árvore com muito por vestir e florir. É o esqueleto da estrutura, da árvore que mora dentro.

Tanto por colorir, como a vida. Como ela, que tanto gosta de cor. Inspira-se na tela dos sorrisos dos outros, do amor, das cores, das formas, das palavras, dos gestos, da alegria. E recebendo e acolhendo dentro revela-se, recorda-se da matéria que é feita. Leva dentro a Arte. 

E não é artista. Não tem formação, nem quer ter. Quer estar na abstração naife de poder mostrar o elementar do coração, como uma criança que aprende a pegar no lápis e a fazer os primeiros rabiscos. 

É que o rude é a simplicidade, o estado bruto que tudo pode criar. E é a inspiração das formas que lhe potencia a outras, e à mistura e à baralhação para que o mosaico possa continuar a ser construído em continumm.

A direção?! O sonho. Estimular a imaginação, as imagens em ação, que sempre criam, que estimulam a que o sonho sempre se construa, na evolução dos encontros, da reunião do Ser. É que o fragmento, a parte sempre se junta a outra. E a tela sempre se estende para mais uma palavra, uma pincelada, um movimento. E vais descobrindo-te, explorando-te e ganhando formas, novas, diferentes, distintas, complementares, opostos, simples, complexas. E assumir essa controvérsia e complexidade dentro é assumir a riqueza da manifestação que sempre se transforma.

E fazer o Amor e a Paz é reconciliar, reunir. E aí colaboras com o distinto, fazes pontes. Não há idade. Não há género, não há rico nem pobre, nem sábio nem ignorante. Há corações que se escutam, que interpenetram e se vêm. E aí aprendem e ensinam.

E caem as máscaras. O vento não quebra árvores que se dobram. Corações abertos jamais podem ser feridos. São as armaduras que à volta se quebram que doem pelo tempo que estiveram ali a bloquear caminho. E quando há defesas que caem, levam a memória das impressões das barreiras impostas.

E há que pedir perdão ao tempo pelo tempo que agarrou, travou e apegou ao que devia ter deixado atravessar. Sinto não ter sabido soltar, e querer congelar o tempo para que permanecesse. É como prender o ar demasiado tempo até que o sufoco comece a dar sinal que preciso respirar para continuar a viver. E soltar o ar e coordenar o ritmo no presente em cada inspiração e expiração, sem precisar acelerar ou reduzir o ritmo é saber-me dançando no baile.

E há que perguntar de tempos a tempos que baile se está dançando aqui e agora. Que árvore é a tua, e como está a vida, o coração e os ramos e os sonhos. Para que não me distraia e me mantenha na minha árvores, nas raízes dos meus pés, caminhando no trilho do sonho.

E ela seguia em frente. Escutava a música, conversava com as flores, escutava a música dos animais. Tudo era uma peça de arte em construção. Inspiração para criar novas formas. Tudo era possível de ser junto e misturado. Adorava cozinhar e fazer misturas. Não sabia cozinhar, apenas inventar misturas irrepetíveis. Assim era a sua forma de fazer e trabalhar.

Encontros improváveis, na espontaneidade de escorrer a essência do ser. Cor, movimento, corpo, presença na relação, na exploração. Todos temos tudo por aprender e ensinar, era a sua máxima. E a Colher.... a ferramenta. Que podia cavar, colher, colecionar, colaborar, reunir e nutrir.

Reforçou os votos, hoje. Do movimento que a co-move. Do encontro de si, o encontro de nóis, no compromisso de cada um se abrir, florescer como a flor que se regozija, se mostra, desperta e ilumina a natureza com a sua essência frágil, forte, bela e amorosa.

E os ramos de uma árvore sempre continuam a crescer, a ramificar, a despir, a florir. À medida que se estende, que se expande, mais cresce,  A experiência solidifica o ser, fortifica as raízes e mais alto vai  para cima e para os lados, soltando também as sementes para que o vento leve, e os pássaros, e as abelhas.


A vida sempre acontece. E a árvore sempre se dobra para continuar a aprender.

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