30º Dia A Gosto_ a proximidade

 



Na quietude sentia uma nova pele. Aproximava-se um fim. E uma morte sempre traz um novo nascimento. Aguardava o momento do parto. Olhava para cima com os pés descalços.

As sementes iam-lhe falando em palavras, música, gestos... estava construindo silenciosamente um novo mundo. E ela que era da matéria, da prática e da ação, aguardava-se pacientemente nos passos vagarosos, no cozinhado lento. Sentia que a construção se fazia, que o ar que respirava já não era o mesmo, nem a sua pele. Mas ainda não era visível.

E recordava-se o que sabia dentro, mas ainda seguia integrando. " o que crê, cria" "lo que cré crea." E a ideia que se forma pensamento começa a ganhar forma quando se derrama em palavras e no papel e o caminho da forma começa a ganhar substância.

Ela via pontes, encontros. Fazia associações, ligações. Sentia-se cada vez mais perto e de perto e sabia-se a construir. Era uma construtora silenciosa, do dia a dia, do quotidiano. Dos pequenos, grandes gestos.

E à medida que se fazia mais presente em si, mais se ia dando conta e a assim podia juntar mais as formas para criar novas. 

Uma coisa tinha por certa, era uma fazedora de sonhos de alegria e beleza, não de cor de rosa, mas de arco iris. Não era do contra, nem da resistência, mas da construção do novo. Uma "problem solver", nos tempos áureos do mundo das empresas. Como se fosse possível dissociar-se dos seus talentos e aplicá-los somente a um contexto.  Era mestre do improviso, de encontrar o bom na mau, de alegrar a tristeza, de transformar as formas em novas formas. Diria que por sobrevivência. Para poder suportar a normalidade dos dias, da rotina, do aparente igual. Podia ser, e esse suporte salvou-lhe a vida e permitiu encontrar a magia que leva dentro.

E cada vez suporta-se dessa magia da cor, das formas, do corpo, das palavras, da imaginação para se aproximar mais dentro e sentir. São as suas pontes, as tintas, o lápis, a caneta, a tela... a expressão autêntica, o motor, a chama que se comparte e reparte e se expande por aí.

E a proximidade é encurtar distâncias, paredes, limites e estar. E aproximo para que o próximo encontro seja mais real de mim até que entre mim e ti possamos ser. E a liberdade permita a ambos voar e se voltarmos a cruzar a proximidade seja maior, porque ambos somos inteiros e por isso podemos partilhar em respeito pelas diferenças que nos unem.



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