A sombra e a Luz _ a arte da criação


Tinham-lhe dito que a vida era mais espinhos que rosas. Que havia muitas pedras no caminho. E sempre lhe indicaram o caminho da luz. Há que evitar as trevas, o dark side. E o pecado e os demónios e as tentações.

O caminho do meio. O equilibrismo na corda bamba. E quantos desafios traz a vida. Que nos recorda é um risco, impermanente. Cheia de subtilezas e outras mesmo de quedas monstruosas e pontapés.

E sempre me questionei sobre a separatividade. O bom e o mau. Porque temos de escolher um dos lados. Porque nos continuamos a dividir?

E lá fugia ela para o seu mundo encantado da imaginação para fugir a toda esta confusão que não entendia. Coloria o mundo à sua maneira muito abstracta, dava-lhe música, cantava-lhe canções e acreditava no bem. Como tirar a dor e o sofrimento do mundo eram as suas questões de criança. Porque se faziam mal uns aos outros, se levávamos a bondade dentro?

E depois destas questões existenciais, via-se ela mesma a ter ataques de raiva, a bater no irmão, porque ele lhe tinha roubado ou estragado as bonecas, as brincadeiras. E quando não lhe faziam as vontades, amuava forte e feio. E lá se ia para o boneco toda a sua bondade e teorias de salvação.

Também ela estava ferida.  E achava que se o mundo se curasse, também ela podia ser curada.
Era uma criança e quis carregar a dor do mundo, para que pudesse dar-se conta da sua e olhar para si.

Não queria os espinhos, as pedras, porque não podia ter só o bom?

Queria sempre resolver qualquer incómodo que sentia, e de preferência já. Não tinha paciência para se suportar na sua ferida. E a pouco e pouco foi desconstruindo-se. Permitindo-se olhar e relaxar.

 E que pedras tão bonitas, e que espinhos tão belos. E a apreciar a própria sombra. Que a faz arrefecer de todo o calor que leva dentro. Leva dentro os melhores temperos para uma vida regada.

O azeite e o vinagre não se misturam, mas a combinação dos dois sintetizam um tempero magnifico. 

Na polaridade reconheço partes que não estavam acessíveis. Posso reunir mais, tornar consciente. Fortalecer e abraçar mais as revelações que vão chegando. Re-conciliar. 

E sabemos que o que é desconhecido traz conflito. E como apaziguar a diferença que mora dentro. As dissonâncias, os diferentes ritmos e tonalidades?

Enquanto houve partes que quis separar e livrar dentro de si por achar feias, falha, defeito e sombrias, tudo o que fez foi conter, reprimir, resistir.  E com o passar das crises, dos conflitos, das resoluções começou a perceber que é relaxar o esfíncter.

Não se levar tanto a sério. Não querer definir. Não estar identificada com as flutuações. E que pode ser tudo, e é tudo em vários momentos. E que sai o pior e o melhor. E da obscuridade e da sombra sai uma força enorme, um potencial de energia que emerge que estava encoberta e gera algo novo. É criador e regenerador quando permite que saia.

E quando acolhe faz as pazes e deixa espaço para que tudo exista. E quanto mais espaço vai criando dentro para aceitar a diversidade que habita.... Guess what?!

O mundo cá fora amplia, cresce. Pois somos feitos da mesma matéria. Somos natureza dentro e fora. E simplificamos.  Que podemos ser complexos, mas simples.

E desconstruir é criar novas pontes. É Amar a Obscuridade para que se Faça Luz!

Assim é a vida que cresce silenciosamente na terra e num útero. 

 

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