CURaDOR


Curador é o corpo que sempre mostra e revela o sintoma. E é tão criativo que arranja tantas formas. Através do prazer e da dor. As duas faces da mesma moeda.

E ora fugimos ora nos sentimos atraídos para o visceral que gosta de sentir. De vibrar na carne que se emociona, que deseja, que se zanga, que explora todo o sensorial, para se lembrar que tem pele.  E identificamo-nos de tal ordem com a pele que achamos que somos tudo aquilo que nos atravessa. E aprisionamo-nos nas representações mentais do que já foi.

Tecemos considerações  e vamos guardando bagagem na memória. E tudo pede renovação. Não se pode mudar o que foi, nem compensar o que faltou. E a expetativa e a projeção num futuro que ainda não se formou começa a ganhar forma de uma nova prisão e a turvar a clareza do que é.

O momento apresenta-se. Como o recebes? Como o acolhes? 

A decisão provoca sensações. Como te permites ficar nelas, sem querer controlá-las, reduzi-las ou potenciá-las?

Há sensações que se querem arrancar, outras saciá-las prontamente. Como respirá-las e permitir que façam o seu caminho?!

O corpo impulsiona, reage, manifesta-se como proteção, instinto de sobrevivência. É o modo como a máquina responde aos estímulos. É a bússola e também a medicina. Ele sempre procura a saúde e bem estar. 

Às vezes por atalhos disfuncionais, mas sempre tenta compensar e repor os desequilíbrios. É o curador. 

Ele guarda as memórias da biografia, da genética e de todo o percurso feito. Lança as perguntas e tem as respostas. Vai dando os sinais para abrandar ou acelerar. Para aquietar ou movimentar. E essa informação vai-se traduzindo em pensamentos, emoções, memórias e criação de novas.

E a dor que se revela sempre que permites olhar, ainda que todo o sistema de alerta queira fugir e escapar, é acalmada.

É uma espécie de cuidar. De dar-se conta da ferida e desinfetá-la, para que possa ir cicatrizando. É ficar, quando o mais fácil seria partir.

E olhos nos olhos, dizer "eu vejo-te"  "eu tomo-te conta".  "Eu encarrego-me de ti". E quando assumimos o nosso peso, a nossa carga, ficamos bem mais leves. Deixamos tudo o resto que não pertence seguir a sua vida. E a habilidade de responder melhor vai ganhando força, porque levas-te contigo.

Num sistema fabricado para pensar e agir com a razão, sentir é a fórmula mágica. É ficar em si, no corpo, no coração e abrir-se à observação e permitir que seja o instinto do corpo e da intuição a responder.

É que quando é a razão a tomar conta, o que fazes? O que te habituaste a fazer? A estar no automático da resposta, do fazer. Na distração do entretenimento, e aí dissociado do sentir, do abrigo de ti vais reagindo a comportamentos, regras sem sentires o corpo e o coração. E maquinalmente procuras por adrenalina, por sensações fortes, porque o campo sensorial sempre tem saudades de cumprir o seu destino. E vamos lá... sexo, drogas and rock 'n roll.

O corpo desregulado procura sentir... e que importa que seja dor ou prazer? É preciso é sentir. Mesmo que tenha de infligir dor no próprio corpo através de cortes, de arrancar pele.... o que for.

Onde estamos?! Que sintomas são estes que o corpo grita como expressão da Dor do abandono infligido. Porque te abandonas, porque te desligas? 

Nesta grande rede estamos tão conetados. E quando despertas e acordas percebes que te suportas e sempre há suporte, num Amor tão grande que aguarda por te receber. Possas tu abrir-te para receber-te.

Se olhas repara. E se reparas, repara-te.



 

Comentários