Perder



Ela tinha medo de se perder. E tantas vezes já tinha perdido a direção, o caminho, o norte, a cabeça e o juízo... ah ah ah. E sobreviveu. Ultrapassou todos os obstáculos e teve a oportunidade de cair mais em si.

E continuava a cair e a perder-se. Sempre que penetrava em mais desconhecido lá se ia perdendo de vista. Do conhecido, do que achava que sabia e controlava.

Perder-se sempre a levava a contactar com o fracasso, com a incompetência. E como tinha um capataz de chicote armado sempre pronto para lhe ferir, como se o mundo acabasse ali. E por fração de segundos acaba mesmo. É o abismo que a atravessa.

E ainda que possa dar-se conta do terror que ajuda a criar com as circunstâncias, começara a olhar-se com mais ternura e respiração. "Não passa nada". Vamos juntas. Por algo surge uma nova rota e direção.

É que para confiar é preciso deixar-se ir. E falhar e perceber que não tem mal. Seguimos aprendendo... e por vezes fazer uns quilómetros extra apenas ajuda a cumprir o objetivo do dia. E chegares ao fim e poderes celebrar por mais uma etapa celebrada.

E às vezes mesmo é pôr atenção ao caminho, focar, olhar. E crescer dentro de si. Tomar consciência do corpo que se transporta. O que leva ele dentro.

Como diz a minha querida poetisa Florbela Espanca, é preciso saber-se perder para se encontrar. E a malta leva toda uma vida a querer encontrar o correto, o certo.

Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"


Que eu saiba ir desprendo-me dos conceitos e das definições para conquistar mais liberdade dentro. 
Não se pode perder o que não nos pertence. E se não se conhece apenas se pode explorar e encontrar.

É que dar a volta ao que se acha que se sabe é abrir para novas possibilidades. E perceber que na eterna espiral, nada começa nem acaba.

 

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