Sem pressas para sentir

Sem pressas.

Reparava que levava o seu tempo até concretizar e dar forma. Estava preparando-se. A construção começava muito antes de dar o passo. Internamente toda uma criação ganhava espaço. A energia alinhava-se, subtilizava-se.

Todos os corpos precisavam desbloquear, limpar e receber informação. E até se encontrar disponível tantas vezes esbarrava-se com as suas resistências.

Não há o valor suficiente. Os outros não têm o suficiente, que é a mesma forma de falar de mim. Os reflexos sempre traduzem e nos devolvem à carência.

E às vezes vem o empurrão, o arranque que nos diz ai, agora é que é. Agora é que tenho de me fazer à vida. Agora é a sério 😂! Então antes de ser a sério, o que andavas a fazer?!

Deixa lá lançar-me a ver se alguém me acredita. Se sim, pode ser que acredite também que valho.

A comparação, o juízo de valor, o ainda não estou pront@... faz com que adies o que nem sequer começaste.

E a perda de tempo e de energia. Cria-se uma história, um serviço, uma atividade... deixa lá ver se pega. Que energia está mesmo aí?! Zero! E o tempo que gastas, sem te envolver? É preciso cultivar, dedicar ao que acreditamos. Semear e semear. Treinar para que as portas possam ir abrindo e o caminho revelando-se.

Não nascemos prontos. Vimos com uma estrutura que cresce, desenvolve-se, altera-se, atualiza-se. O caminho prepara-nos.

Mas para isso... que o caminho te encontre caminhando.

Quando tens pressa, corres e não vês os sinais, não há clareza. Se corres não podes contemplar a paisagem. Se caminhas com calma e presença podes ir observando as curvas, as pedras, as flores, as árvores, os riachos, os sons, os animais, os cheiros. E curios@ podes ir experimentando. Adicionando e subtraindo mais mundo, novas possibilidades com a matéria prima com que te cruzas.

Nunca estarás pront@.... estás sempre refinando-te. Em permanente atualização.

E quando achas que estás parad@, que procrastinas... observa o que está a acontecer dentro. Como está a tua vontade. Estás refugiad@, escondid@, paralisad@ ou simplesmente estás numa centrifugadora dentro onde tudo está a mexer?

É no invisível que ocorrem as transformações. E nós sabemos... que há vazios e noites escuras intermináveis que nos pedem quietude, silêncio e pausa total. E sabemos que dentro o movimento continua.... longe da mente aflita que quer significar, traduzir e correr.

Ela tem pressa. Quer ver acontecer. Tem medo que a vida lhe escape entre os dedos... será a vida ou controlo?!

Em que modo estará o que tem pressa?!

Assim são os ADULTOS, adulterados.

É preciso trabalho para sair da pressa e regressar à cAlma. Quem diria que fazer nada dá mais trabalho do que fazer?!

Como gerir a ansiedade e a mente aflita por chegar a algum lado, por se cumprir, realizar e ser reconhecida por qualquer feito. Aprender a domesticar a fera e pô-la ao serviço do coração... é um serviço de reeducar. De desenvolver a paciência, a tolerância por si mesm@. Acolher-se, abraçar-se em todos os momentos: nos que esperneia, nos que se nega, nos momentos que doem, que se frustra, nos que é masoquista, que se abusa, violenta e castiga.

Como por falta de amor nos fazemos tanto mal... achando que é amor. E há momentos em que o melhor amor que nos conseguimos dar é a compensação de uma adição. As migalhas que fazem sobreviver.

E continuamos da maneira que sabemos a mendigar por Amor. 

E que CRIANÇAS andamos a pôr no mundo?!

No outro dia assisti à cena de uma criança de 8 anos brincando tranquila e subitamente aparecem os pais e a criança começa a disparatar, a mandar coisas ao ar e a fazer asneiras de seguida. Os pais começam a zangar-se com ela e ela continua a desafiá-los. De fora observava atentamente a estratégia da criança para chamar a atenção, com a violência dos gestos, rindo, gritando, esperneando.

Olhei para os pais e disse, ela só quer atenção. E depois virei-me para a criança e perguntei-lhe "Queres atenção?!" Ao que ela responde sim, quero. E disse-lhe, só tens de pedir, pede.

O que se passou a seguir... foi lindo! Virou-se para a mãe e disse quero atenção e correu para ela e abraçou-lhe. 

Assim de simples. Li naquela criança algo tão bonito. "De afinal, posso pedir?" Tenho permissão e posso ir? 

Não preciso fazer asneiras, desobedecer para que olhem para mim.

Défice de atenção. Hiperatividade.... nem percebo muito bem no que consistem esses transtornos. E o que revela a criança, senão o adulto ferido nas faces da mãe e do pai que a puseram no mundo?!

E continuamos com pressa. Pressa do quê?!

Que seja a pressa de amar melhor, de juntar o fragmentado. De fazer o Amor. De conciliar e reconciliar.

É que aquela criança também sou eu, e tu e tu. 

Enquanto houverem crianças a refletir comportamentos desarmónicos de falta de atenção, presença, calor... há adultos feridos por curar.

Elas apenas projetam e refletem o que se passa connosco. É que os filhos dos outros são família. A Grande Família Humana.

SE NÃO DAMOS AOS ADULTOS PERMISSÃO PARA SENTIR, COMO PODERÁ A CRIANÇA TER?!

Ela precisa de sentir que tem espaço para se expressar e que pode sentir tudo... até que se silencie o último grito, choro, gargalhada.

Podemos e devemos contactar com todas as sensações, emoções e as respetivas fases. Não é preciso proteger, apenas acompanhar. 

E diz lá tu ADULTO, quantas vezes queres um abraço, um mimo, um reconhecimento e tudo o que fazes é zangar-te, gritar com o outro, amuar, vingar-te na esperança que assim te ouçam... haverá muitas diferenças entre esta criança de 8 anos e o adulto?! 😕😵

Sem pressas, sem definições nem traduções.... o melhor entendimento que podemos dar a outro ser humano é estar, ser presença, escutar, amparar, amar.

Respeitar o ritmo próprio, o seu e o do outro é também AMAR.

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