A carta à mãe



Querida mãe,

Mulher, Filha, neta, irmã, amante, amiga. Tantos os papéis e as bençãos. 

Tu que dás a vida e em ti me gerei matéria. Vinculada ao teu útero e à da avó. A linhagem das mulheres que reconhecem e honram  a mulher. E a mãe que piso todos os dias, nesta terra sagrada, a tua, em forma de rios, florestas, montanhas. Mãe que fertiliza, alimenta, acolhe e colhe.

E na grandeza do Amor cabem todas a formas. E na cegueira de te querer amar por em mim não ver e reconhecer... entro em competição, conflito, maltrato.

Como a primeira relação de amor é também a relação de maior conflito e guerra. Nem contigo, nem sem ti.

E sigo por essa vida fora... comparando, competindo com a mulher por não te reconhecer na grandeza que és e saber-me também grandeza, sem ter de me repetir.

Porque haveria de repetir-te se em mim transporto-te. E na contrariedade de querer ser igual e também diferente, vou empatando para não te receber em mim.

E não te receber em mim é não Aceitar a Vida Plena. Tu que és Vida e Geradora de Vida... reconheces também essa função?!

Como?! Se insisto em não te ver e não te tomar e não te agradecer. E também tu algures me repetiste. E repetimos numa estranha repetição.

É que até de costas voltadas os corações se tocam. É a sua natureza. E ainda que te contradiga é por Amor. Pela atração que me atrai sempre até ti mulher. 

E me vence no cansaço de abrir mais um pouco o  coração. E reconhecer. Sou mulher! Maravilhosa dança, a minha. Criadora de vida em tudo o que toco e quanta vida e doçura, e força suave... é que há tantas maneiras de ser mãe, filha, neta, amante. E as formas são só indicadores, não fórmulas. E os vínculos que nos ligam sempre ditam que acompanhadas estamos.

É Para ti que escrevo Mulher. Mas também para o Homem. Todos levamos a mulher dentro, a mãe nutridora, fonte que jorra, que fecunda e manifesta na forma.

É que o toque que toca é feminino, passivo, recetivo. E os abraços nos braços de uma mulher que se rende subtiliza-se amor por onde passa.  É dança na palavra que emite, nos gestos, nos passos.

Mãe é a ti que te escrevo. É contigo que me reconcilio. Somos partes uma da outra. Apenas competi contigo para que me visses. E achando que sendo melhor que tu, podia ter lugar. E se me irritavas e por vezes irritas é o feitio que mim levo e que ainda precisa de ser reconhecido e encontrar um lugar de paz dentro.

É que o querer ser melhor não é pessoal. É a necessidade de me acreditar. De valorizar o ser imperfeito que sou. E que ainda que possamos ter valores diferentes, formas de pensar e estar há espaço para ambas. Não temos de concordar, nem acordar. E posso escolher aprender contigo ou não. E está tudo bem.

Não me compete mudar-te, seria essa a competição. Não me compete salvar-te... quando tu tens a sabedoria. E elevar a sabedoria da Mulher é também dizer que a terra se sustenta a ela mesma. É maior que nós. Ocupa-te de ocupar-te de ti....

Quantas desculpas vou continuar a dar-me para olhar para fora e não receber-me?!

Quando o dia passar, quem serei eu amanhã?

Quero receber-te em mim Mãe... e o mesmo será dizer quero receber-me!

E dignificando e honrando-te Mãe, só posso honrar todas as mulheres do meu caminho. E só Deus sabe e elas, as mulheres do meu caminho o quão bruta, autoritária, rígida, sabichona, arrogante também soube ser. É mau, é bem?! Foi AMor senhores. A forma estranha de amar. 

Desejando o bem, querendo o bem da maneira que se sabe... e na dança todos dançamos no baile das permissões para aprender e aprender. Voltar a conciliar.

Hoje recebo-te Mãe um pouco melhor, pouco a pouco, um dia de cada vez. E como a  Mãe Plural  e Singular me faz incluir e acolher mais doçura dentro.

Em ti senti o primeiro abandono, rejeição, traição, humilhação, injustiça. E já fui vítima, perpetradora, culpada, inocente, manipuladora, manipulada, abusada e abusadora.  E olha que mão cheia de soft skills que através de ti desenvolvi mãe. E com isso não é carregar-te, nem pesar-te, mas agradecer a maestra, a escola que através de ti me jogou ao profundo de mim. E o que é a Dor senão a grande dose de Amor vindo em shots por vezes amargos, ácidos, agridoces, salgados e doces. 

É que se viemos com papilas gustativas foi para aprender a saborear o diverso. E ao distinguir, aprender a discernir. Como não agradecer às experiências?!

Em tempos escrevi-te, obrigada Mãe por me teres atirado do ninho. E no misto do agradecimento sentido, por reconhecer o crescimento em mim e a força ter seguido para a vida, havia também o pesar do colo não recebido. E os feitos sempre serão os feitos. E à medida que entendo, que recebo esta minha biografia de um lugar amoroso, dignificando-a como a melhor história de amor que podia ter tido. 

Recebo os teus abraços Mãe em tantos abraços e generosidade da gentes que colocas no meu caminho, com a bênção do Pai. Enquanto a pele sofrida sentia o frio dos abraços ausentes, não conseguia receber os abraços lá de fora. Tinha medo de voltar a ser magoada, então recolhia-se, escondia-se.

E afinal mãe eras tu que enviavas os anjos no caminho para que pudessem mostrar-me o afecto e que o AMor tem tantas formas. Que não prende, quer-se livre e solto. Ensinaste-me o desapego e que estar em liberdade é estar em Amor. Enquanto não soube ver quis agarrar e aprisionar.

Continuo a APrender e continuas a ensinar-me a soltar e soltar-me mais. E a conquistar-me em mim e na aceitação e ti e do teu destino.

É que o ninho segue sempre em mim, para onde quer que vá. Sou pássaro. Levo um pouco de colibri dourado, águia e condor.

Deste-me o melhor Pai do Mundo Mãe, o Pai Céu! Repetias vezes sem conta o pai está no céu. E eu criança olhava para o céu e buscava a estrela mais brilhante para falar com ela. E hoje o Pai continua ser o Pai Céu. E na forma humana guardo o retrato que me foi pintado e os genes de um homem empreendedor, divertido, extrovertido, brincalhão. E revejo-me também nele. Afinal trago em mim 50% dele.

E foi por Amor. E por AMor agradeço que tenhas dito Sim. E que através de ti possa estar a experienciar a melhor estadia de sempre. A sentir na pele este carrossel de propostas, desafios e aventuras. Nem sempre fácil de acolher, mas graças a ti, à tua decisão, apesar das adversidades, poder estar aqui. Agradeço a coragem, a ousadia, ainda que possa ter havido dúvida e resistência.

É que o mundo perfeito é-o pela sua perfeita imperfeição. E se em mim mora dúvida, resistência, medo... como julgar-te?!

Tudo por reconhecer e incluir.

A ti mulher perdoa-me... por sem querer procurar vingar o amor não visto e reconhecido.

Continuo a caminhar ao teu encontro, ao encontro de mim. 

Até ao dia que o Coração desperto possa AMar inteiro e fazer o AMor nesta terra mágica. É que de mãos dadas temos tanto por manifestar.

E à medida que me Acredito, Acredito-me. E temos tanto por fazer.

O meu rezo é que continuemos a dançar juntas, a curar, sanar, amar, reunir... seguimos no intento. E sabemos que a intenção e a força do rezo é palavra criada e energia em ação.

Esperança?

Não. Estamos tecendo já a nova dança, a nova gestação do amor. Não sentes já os ventos de mudança?!

É que a mãe sempre está a gerar vida e amor, e amor e vida.

Comentários