E depois do pincel o que fica?

 



Há um ir e um voltar. E o que lá vai, lá fica. E quem regressa?

Sempre que se sabia, perdia-se. E sempre que se deixava ir, descobria-se. A não intenção, o não querer abria-lhe espaço.

E na surpresa do não saber, deixava-se levar.

Soltava o passado. E percebera que o tinha de tomar com tudo. Só depois de integrar, de aceitar o que foi é que se pode deixar ir. E esse é um lugar interno. Que não se busca, não se entende com a mente. É uma caminhada.

Só depois de agradecer é que se pode descansar.

E tomar-se a si mesma em goles suaves e profundos era sentir-se merecedora, tomar a alegria de um lugar cada vez mais genuíno. E também silencioso.

Soltava o pincel. E como soltar o objeto e a representação da expressão da cor, da fluidez, do símbolo que expressa, dá forma. Não tinha conseguido pensar muito bem no objeto, e o objeto escolhera-a, num repente.

E dá-se conta. Dar-se conta é o que mais se tem dado. A conta, em conta e pagar o preço por ser o que é.

E isso é dar-se e receber-se nas mais variadas facetas, que por vezes a fazem corar.

Perceber-se ela mesma a tela, o pincel e as tintas. A criatividade que brotava em tantas cores, formas invisíveis na matéria, mas tão visíveis na sua vibração.

Era uma provocadora.

E como só a palavra provocava.

Ela provocava o desconcerto, destruturava, chocava. E como ela era contradição. Segura, formal e frágil, emotiva. Tímida e extravagante. Escondia e mostrava. Um puzzle em permanente construção.

E se a dúvida pedia por validação... ia entendendo que só ela podia desenhar-se. Na autenticidade dos gestos, do coração aberto restava-lhe ser.

E estar aí era a maior bênção que se podia dar. Podia equivocar-se? Sem dúvida. Mas também já não pretendia acertar, nem estar correta. Apenas ser honesta consigo. E esse reconhecimento competia-lhe a ela. Ser a melhor colaboração e colaboradora em sua casa.

Se havia dívida era para consigo. Devia-se pôr na vida, com a valentia de tomá-la com tudo. Ousar correr os riscos de se aventurar, de criar, de amar, de ser perder, de errar. É que viver é poder experimentar tudo o que há, com presença. E reconhecer que tinha a força, a valentia, a vulnerabilidade, a insegurança, o medo, e ainda assim ir era empoderar-se na sua humanidade imperfeita.

Aprendiz, caminhante, peregrina, exploradora.... assim seguia com o brilho nos olhos de criança viva com a adulta mulher.

E o que importava se os outros não a seguissem?!

É que quando se acompanhava jamais podia caminhar só.

E  o pequeno pincel que lhe havia servido para mostrar o que era a fluidez, as tintas, a tela e o papel tinha-se soltado.

Ela preparava-se, e essa preparação era a constante que a permitia continuar a caminhar.


Ela era pincel, e agora tinha ganho essa nova consciência.

E podia criar-se e recriar-se continuamente.

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