Estranha. Amor meu

Reescrever. Sempre havia o que escrever. E as palavras sempre traduziam novos sentidos e significavam.

Revia-se. E sempre era um conhecer-se de novo. Ela amava a novidade. E assim habitar na mesma pele uma nova pessoa, estabelecer uma nova relação. E aprender-se.

Aprender a curar. E como ultimamente a palavra aprender estava muito presente no vocabulário de bolso.

É que antes tinha a mania de usar definições e conceitos e de entender e querer entender. E foi-se o querer, por falta de renovação de contrato. E o entender assumia uma nova claridade.

E ela espantava-se com o seu espanto. De estar no sentir, de permitir que o guião se escrevesse no momento da ocorrência do acto.

Não tinha pressas para sentir, nem para perceber. E assim despegando-se ia sentindo e acolhendo mais o que vinha.

E tudo vinha para lhe atravessar, para vivificar o corpo e bombear-lhe o sangue nas veias. E dança, dançava. Era ambiguidade. E também umbigo.

Estava ligada ao umbigo do mundo. E à medida que se tecia tinha a impressão que se desenleava. E por vezes enleava-se também, para que se pudesse precisar mais.

As ilusões sempre convidam a olhar para dentro, para que as suposições, as formas se possam desfazer. Até que deixe de haver fronteira, e deixes de precisar de proteção.

A proteção é só um ainda não. É o respeito pelo ritmo próprio, até onde consigo sentir.

E é um pouco a pouco. Um conta gotas. 

Quanta dor e amor consegues receber e pôr a circular dentro de ti?

Quanto consegues permitir?

É que fala-se de dor. De medo que doa e que magoe. Mas é a dor que abre espaço para que te doas e aí poderes ter espaço para amar melhor e receber. 

O que é a dor senão o corpo a fazer espaço para se expandir e aprofundar mais dentro de si.

E fazer-se cargo do que atravessa, do que trespassa, do processo de sentir a pele a rebentar, os ossos a alargar, o coração a expandir e o pulmão a alargar. É que com tanto encolhido, para crescer o músculo tem de expandir-se.

E perante a transformação o instinto aciona o motor de resistência ao desconhecido. E relaxar o esfíncter e permitir que ocorra. É abrir espaço à CONFIANÇA.

E fiar junto é tecer nesta grande teia da humanidade. As sementes de luz tecem luz. E a beleza tem tantas faces na sua imperfeita perfeição.

E abraçar a compaixão por tudo o que mora dentro sem que nada exagere ou exclua.

É que solver é responder com melhor habilidade ao que se passa dentro. Escutar o diálogo interno sem que ele assuma o papel principal. E sempre deixar espaço e voz para que todos os participantes possam atuar no palco do corpo e vida. 

Ser-se permanente estranho de si mesmo é acolher todos os sem abrigos que lá fora te esperam. Até que a diferença possa ser a maior inspiração para te agregar valor.

E quanto vale e te vales neste vale encantado ou de lamúrias? Tu escolhes. Paraíso ou Inferno.

E tudo vale para que te valhas.

É preciso ser ignorante. Manter a ingenuidade inocente para que venha o novo. É preciso não saber. Derrubar o cheio, o preceito, o plano, o formal, o conhecido.

Se não tiveres qualquer pretensão de ser seja o que for... poderás caminhar com essa estranha indefinição que te liberta e põe em contacto com a organicidade, o fluxo que vai guiando

A água sempre encontra caminho por onde jorrar. O fogo sempre crepita e dança. O vento sempre canta e a terra, a terra sempre oferece a matéria.

E ser estranha de si era a melhor forma de continuar sempre a receber-se. É que precisava de novidade. E por amor dava-se.

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