Vista



 
"(...) E a criança desafia, reclama. Só faço se me fizerem a vontade assim é a birra. E deixá-la expressar a birra e não lhe fazer a vontade. E de repente sair a caminho dela e abraçando-a. "Eu vejo-te" é o mantra interno. Queres atenção e dou-te, meu amor. E como transformar a tarefa numa brincadeira, como fazê-la cumprir na obediência de forma leve, empoderando-a?
E trazê-la ao foco, à concentração. E sim. Ao trazê-la à vista ponho-me à vista.
De como a contrariedade cria revolta e paralisia. E ficar-se a teimar no mesmo sítio até que a vontade seja feita. É para uma criança que está a desenvolver a maturidade emocional que se olha, ampara, suporta e educa. E quantas vezes não é fácil deixá-la no seu desamparo de se sentir. É que o adulto faz de tudo para se anestesiar e não sentir e não ter de lidar consigo mesmo.
E o que é isto de ser vista?
De se ver, assistir e amparar no seu próprio desamparo? É permitir que suceda e ser-se vista aí por si mesm@. Perceber as suas representações, arquétipos, sem se querer livrar de nenhum deles, nem buscar qualquer definição para se rotular.
E permanecer no baile da incerteza, afinando o ritmo, o próprio. É permitir-se ser-se vista por si. E que se vista a roupa que ser quer.... ou se dispa também todo o acessório.
E ser-se vista por si... é saber estar nos silêncios mudos, estar confortável no seu próprio incómodo. Respeitar os nãos, os sim. É permitir-se sentir todas as emoções. É cobrir todos os vazios, sem se querer livrar de si.
E assim que começara a ver-se, começava a receber-se. A ser vista. E se calhar já o era antes... mas como poderia dar-se conta se ela era a primeira a não se enxergar. Tudo o resto era cego.
Não ser visto é só andar por aí de luzes apagadas para que se passe despercebido até de si. Vamos lá distraídos ocupar-nos de salvar o que nos rodeia... Assim sem desculpas nem licenças vou sempre desviando os holofotes da minha presença, para que também os outros não me vejam.
Sabendo que a humildade disfarçada de "eu não importo" tantas vezes esconde a saudade do próprio que nem baixinho tem a ousadia de dizer "reparem-me"... talvez no momento de mais solidão possa soltar o suspiro cansado de.... tanto feito e nada reconhecido, nem um obrigada, nem uma palmadinha das costas. E a frustração de no fim do dia perceber que não pode salvar ninguém.
Até quando a vista vai desviar o olhar para que não vistas a vista de ti? "

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