A Vendedora



Tantas são as vozes. As que gritam, as que calam, as que se atropelam, as que resistem, as que querem desistir, as que se agarram, as que rompem, as que inspiram. As que morrem, as que vivem.

E no meio delas há o sopro. O sopro divino que permite que todas elas possam suceder. E a respiração sempre sucede, sem que nela se pense. A inteligência da máquina que faz de tudo para se manter na vida, ainda que a mente possa dizer o contrário.

Contradições. É o campo de batalha que sempre faz por criar o embate, por gerar energia de oposição, polaridade, diversidade. A criação precisa-se fértil e fecunda, e dois iguais não geram novidade.

 E ela queria separar o trigo do joio. Arrancar as peças soltas, velhas, quadradas, os empecilhos que lhe causavam transtorno.  Até que percebeu na pele que tinha de se fazer acompanhar da herança recebida. Que a raiz dos seus medos vinha da família que queria proteger, fechar-se no conhecido, porque aí era mais seguro e controlado. E tudo por amor e bem querer. E o mundo lá fora tornava-se então muito perigoso. 

E nestas histórias de terror a mente alimentava-se de filmes de destruição total. Como ir para a vida e para o mundo se lá fora é tão perigoso. Vamos ficar no ninho, no seguro, no conhecido. E atravessar o umbral da mente demente é encarar de frente os monstros gigantes que vivem no sótão do inconsciente. E dar a mão a esses monstros e dizer-lhes caminha comigo, vamos juntos. Até que eles possam se acalmar e construir novas histórias.

Ela aprendera a lutar, a resistir, a ir de frente, "quantos são", de armadura e couraça, numa fortaleza para se proteger do sentir. Mudou de estratégia. Começou a abrir a boca e a denunciar que sentia, que se sentia frágil, que queria, mas tinha medos, e vulnerabilizando-se fez-se acompanhar da sua presença. Estou cá para ti, vamos juntas. E de repente começa a encontrar uma multidão de gente que sente, de gente que ajuda, de gente que vê, que escuta, que repara. O que tinha acontecido com o mundo que de repente se tornava todo ele generoso?

E ela que vendia sonhos... e dizia tu é @ criador@ da história, intenciona, acredita, sente, confia e caminha.... era sempre surpreendida com a beleza da vida a acontecer. Ela sabia que era assim que funcionava, mas como se emocionava com o milagre da vida a acontecer de dentro para fora.

Ela tinha aberto mais uma porta do seu coração, assim exposta em carne viva à vida, na sua vulnerabilidade, pedindo ajuda, abrindo os medos, a vontade de seguir e realizar o sonho... e essa expressão vinha-lhe das entranhas, era pura, honesta. E nessa generosidade que abria de si para si, por amor, em amor e na simplicidade de querer experimentar o novo, recebia a devolução. 

A devolução da generosidade vinha em rostos novos, em encontros, nos anjos do caminho que lhe iam abrindo os trilhos, os corredores, faróis de luz que lhe ia confirmando, é por aí. E tantos os testes, "tens a certeza", os obstáculos que lhe pediam presença, resiliência, fé.

Ela continuava a vender sonhos. A inspirar, a motivar os outros. Costumo dizer que o melhor do mundo é acompanhar a evolução de pessoas, o caminho percorrido, o antes, o durante e o depois, o crescimento. Sentir a Alegria do Outro e a Consciência de Amor Próprio é o melhor do mundo. E confesso que o foco às vezes está tão aí, que banalizo o meu próprio percurso. 

E hoje páro e reconheço que o melhor do Mundo é ir conquistando a minha Liberdade de Ser e Amar, criar mais espaço dentro de mim de autenticidade na forma de estar e atuar no dia a dia. E essa é a maior Generosidade que me podia dar. Dar-me colo, escutar-me, ver-me, estar lá para mim, acompanhar-me. E aí é possível atravessar os umbrais do medo, do ego, e ir descondicionando mais um pouco. 

E se eu consigo, tu também consegues. É possível, aqui e agora. Basta escolher, basta querer e fazer-se ao caminho, com tudo. Porque o caminho apresenta-te todos os desafios, os testes e desnuda-te e destrói-te e vira-te do avesso, e atira-te ao chão para que possas matar as velhas formas que não te servem e descobrires novas formas mais autênticas, relaxadas e generosas em ti.

Vale a pena todo o suor, todas as lágrimas, todas as caralhadas. E os desafios sempre continuam e os sonhos atualizam-se, evoluem, refinam-se e a jornada vai-se tornando cada vez mais sagrada e bela à medida que o amor cresce dentro de ti.

Não vendo sonhos, vendo o despertar para que Sonhes e te Agarres a esses sonhos para caminhares com propósito. Inspiro-te a olhar para dentro para que reconheças os recursos que levas dentro e comeces a usar as tuas tintas, a experimentar padrões, cores, formas, danças, movimentos, para encontrares o teu passo, o teu ritmo, acarinhares, reconheceres, incluíres, amares o que se mostra. A criares a melhor relação contigo. É uma terapia de casal entre ti e o teu inimigo interno com quem travas batalhas e dormes todas as noites. Aprender a fazer o amor, oferecer flores e reconciliar com as vozes todas que levas dentro.

E há dias difíceis... e sempre irão haver. E também esses dias passarão. Haverão dias maravilhosos e sempre irão haver. E também esses dias passarão.



 

Comentários