Romper para abrir

Responsabilidade. Responsabilidade por aquilo que se sente. Fazer-se cargo. E ainda assim estar na vida. Permitir-se sentir e cuidar desse sentir.

Não tinha paciência para se ocupar pelas dinâmicas das sensações. Era muito incómodo ter de lidar com o desconforto do sentir. Com o controverso, o conflito, o contraditório, a inconstância. Ela queria controlar e estar no sentir era desconcertante.

Ser atravessada. Que as sensações lhe pudessem indicar o caminho, revelar o escondido até de si. Dizer e ser são tantas vezes caminhos tão distantes.

E ela apanhava-se a resistir. Quero vulnerabilizar-me, mas até aqui se faz favor. Deixa-me lá controlar o resto. E se me magoo? E se não dá certo? E se caio? Mas e não é certo ir por aqui.... e tantos outros moralismos e desculpas para dizer ainda não.

É que deixar-se cair é ir ao fundo. Bater no fundo. E permitir que a ferida se abra. Ser-se oposição e contrasenso. E mandar abaixo os julgamentos, os preconceitos.

É ser amassada, arrebatada pelas experiências, pelo caminho. É encarar-se com a dificuldade, o obstáculo, o medo, a loucura, a tesão, a opressão e a expansão. E expressar tudo o que vem, o que está pronto para sair.

E se é pranto, que caiam as lágrimas, que me desarrumem, que me rompam, me atravessem e me humildem. Que as formas, as ideias, a imagem que tinha acerca de mim possa cair. E que no desconforto do não saber possa cair no vazio do silêncio e lidar com o incómodo da abstração do ser vivente, que vive e não sabe.

A profundidade é um caminho de abertura ao mistério. E em cada passo confiar que mais me aproximo e destapo o que vai dentro. E ainda que confuso, que disruptivo ganhar a coragem de me receber e cuidar cada vez melhor.

E nas trampas que caio observo as minhas prisões. E dou-me conta que a mente é exímia nos filmes que cria e que sou tão mais livre, solta e leve do que as histórias que a cabeça me conta. E o corpo tantas vezes a apanha distraída e manifesta-se no encontro da vida pura, do prazer e desfrute.

Não precisava de nada e até ela vinham todas as experiências para crescer. Presente. Reconhecendo os contrastes, as contradições e abrindo a vontade para expressar o que quer, o que sente, o que incomoda. 

Os espelhos sempre a devolviam, por mais esfumados que pudessem ser, aos conflitos internos, onde não era livre, onde se trancava. E como o julgamento dos outros a devolvia à afirmação de si. 

E ocupar o lugar é fazer-se responsável e reconhecer o seu valor. A  força de vida, de entusiasmo, alegria que transborda no seu ser e sem licenças, nem desculpas, nem culpas Assumir-se.  

E se é que deveria haver Poder é o poder da força de ser-se, manifestar a autenticidade do ser que se reconhece e responde ao mundo desde a sua habilidade, simplicidade e coração.

E é um caminho que se faz, de romper o casulo, soltar os véus, as camadas das crenças, das lealdades, das caixas para que o brilho possa ser cada vez mais puro.

Este é o meu caminho. Romper, abrir e seguir abrindo-me-nos.


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