Olhares

 



"Quando desenho crio personagens. Às vezes dou-lhes nome, outras não. E eles ficam bem na sua casa. A casa é a folha branca onde vivem. Uma folha para cada personagem para que possam ter espaço dentro do seu retângulo. Gostava de fazer personagens para vender.", "Quando estou entretido, brincando, não me sinto sozinho." by sobrinho Samuel, 9 anos.

Assim de simples. Prático, sem mais definições e interpretações. Gosto de olhar. De entrar pelo mundo dele adentro, imaginar, perguntar. Como vêem os olhos dele? E deliciar-me com as respostas.

Como será viver numa folha branca? E ir desenhando os elementos necessários para que a casa nasça. E olhar para o personagem que lá vive, sem necessitar sol, nuvens, relva, árvores, e como o espaço branco ao redor é tudo o que é necessário e essencial. 

Assim de simples. E volto a reforçar a simplicidade. Como ela se tornou tão complexa, distorcida, recheada de apontamentos, interpretações e cenas. Para que regresse. Para sempre regressar ao espaço que nada contém e permite respiração.

E assim vou passando, olhando. Às crianças que encontro vivas nos corpos adultos. Felicitando-me por as ver e por também me permitirem olhar.

E há imagens que permanecem. Estar em casa numa folha branca. E a criação acompanha-te enquanto tu a acompanhas no processo de gestação até que a forme se complete e deixa de estar em ti para se tornar.

E o simples olhar torna presente... as conversas que se sentem acompanhadas. As pessoas que se tornam vistas, os lugares que ganham expressão. A vida que se vivifica porque um olhar vê e se apresenta.

E às vezes faz-se que não se vê, quando tudo o que mais queremos é que se veja, que sejamos vistos, acolhidos.

Olhares podem incomodar, quando somos os primeiros a desviar, a não tolerar olhar dentro e acompanhar o movimento do que mexe e como mexe. E ficar aí, olhando é ganhar espaço para olhar para o que mexe fora. E reconhecer, que está tudo dentro.



 

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