Ficar





Abrandar. Aquietar. Para que os olhos vejam melhor o que vai dentro. Receber os incómodos, a inquietude de simplesmente ficar a olhar. Nada a despejar, nada para ficar de fora. Tudo por acolher. O desconforto, os temores.

Como o impulso de preencher toma lugar ainda antes da respiração seguinte. Se me ocupar o que fica? 

E se contemplar apenas como é?

E se não houver nada por preencher e apenas ficar aí?

E se tudo o que restar for bréu?! E porque não pode isso ser a Paz? Depois de tanto ruído, imagens e formas, descansar no vazio que nada precisa?

E se a ambição se for, o que mais te pode ser tirado que não seja falso?


Criar estrutura para acolher o vazio e dar-lhe espaço e corpo para ser.  E quando vier a reclamação por atenção e a criança esbracejar escuta-lhe, olha-a, toma-a com tudo.  Sê o colo, o abraço, o calor para aquela que lá atrás sentiu frio, abandono.

Não perpetues a falta que um dia te faltou. Conta-te hoje uma nova história. Regenera e inteira-te. Agora que me chamei à atenção dou-me atenção.

Re-acordo-me. Recordo. Reconheço. Encontro. Reúno. Reduzo. Reduzo a intensidade dos vazios ao tomá-los e inteirá-los. E volto a unir-me, a curar.

"As above so below", assim em cima como em baixo. E os reflexos e as projeções de quem caminha sobre o céu e sobre a terra, buscando e encontrando, enchendo e esvaziando. No jogo de sombra e luz, abrindo caminho quando tudo que resta é caminhar.

E esvaziando, tomando e soltando neste jogo cromático das formas participar e amar tudo que se apresenta. E na dança dançar, soltando a dúvida, a resistência, o julgamento, a crítica. Adentrar no baile de respirar, rir e chorar e fluir com o que se mostra. E participar, participar, construindo, desbloqueando, descontruir e voltar a edificar... sabendo que nada é definitivo. 

E estamos cá por um tempo, caminhando, contemplando, recebendo a aprendizagem necessária para o passo seguinte.

E ficar é abrir espaço para estar exatamente no que se mostra. É ser atravessada, sentir o que é para sentir. Permitir que suceda. Nada há para agarrar, tudo é movimento que circula.

Comentários